Crimes
recentes e chocantes como a agressão a pai e filho confundidos com um
casal gay em São João da Boa Vista (SP), no último fim de semana, ou o
assassinato do operador Danilo Rodrigo Okazuka, 28, em Barretos, nesta
terça (19), representam picos de violência que só podem ser revertidos
caso se defina, “com urgência”, uma legislação específica que
criminalize a homofobia.
A opinião é compartilhada por juristas e
advogados especialistas em segurança pública e na defesa dos direitos
de minorias consultados pelo UOL Notícias nessa terça-feira (20) --um
dia depois da morte de Okazuka, segundo a polícia, por motivação
homofóbica, e um dia após o juiz em São João ter negado a prisão
preventiva de um dos agressores confessos do pai do jovem de 18 anos.
Ele abraçava o próprio filho em uma feira agropecuária da cidade, pouco
antes do ataque, e instantes depois de ter sido abordado por um grupo
que questionava se eles eram um casal homossexual. O rapaz se feriu sem
gravidade, mas o pai perdeu a maior parte da orelha direita.
Os
três especialistas ouvidos pela reportagem se mostraram preocupados com a
frequência de casos --que se "popularizaram" na mídia principalmente
após sucessivos ataques a gays na avenida Paulista, no ano passado, em
São Paulo --e com a violência empregada contra pai e filho no interior
paulista. Paralelamente, no Congresso brasileiro, o projeto de lei
complementar que criminaliza a homofobia, o 122/2001, não tem sequer
perspectiva de ser levado a votação, ante a grande resistência à matéria
principalmente entre as bancadas religiosas. Mês passado, porém, o STF
(Supremo Tribunal Federal) aprovou a união civil entre pessoas do mesmo
sexo.
"Insensibilidade" na magistratura
Para Walter
Maierovitch, desembargador do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) e
presidente e fundador do Instituto Brasileiro Giovanni Falcone de
Ciências Criminais, a recente aprovação de mudanças nos critérios para
prisões preventivas pode reforçar a conduta de criminosos que agem
também contra as chamadas minorias.
Pela alteração vigente desde o
último dia 4, por exemplo, pessoas que cometerem crimes leves --aqueles
puníveis com até quatro anos de prisão –, e nunca antes condenadas por
outro delito, só serão presas em caso de condenação final, em situações
de violência doméstica ou quando houver dúvida sobre a identidade do
acusado. Não é o caso, portanto, do agressor confesso do interior
paulista.
“Atravessamos um momento muito difícil, e a opinião
pública quer mudanças. Mas infelizmente temos leis equivocadas e
morosidade na Justiça, o que só faz aumentar o sentimento de impunidade e
a sensação de medo”, destacou. Na avaliação do jurista, mesmo que o
conjunto de leis nem sempre atenda a demanda a contento, também há “a
insensibilidade de muitos magistrados que, cada vez mais, adotam uma
linha ideológica perigosa”: “Uma prisão dessas [em caso de homofobia]
nada tem a ver com prisão de sentença final, é uma medida de segurança
social. Manter soltas pessoas que violam direitos elementares, que não
conseguem ter uma visão de sociedade igualitária, é algo muito perigoso
---são crimes de caráter grave, ou, como no caso desse pai agredido,
gravíssimo: são pessoas que não conseguem dominar os próprios impulsos”,
defende.
Maierovitch se diz contrário à criminalização da
homofobia por avaliar --a partir de outros países que criminalizaram,
por exemplo, o uso de entorpecentes --que a medida não reduziria os
casos. Mas ressalvou: “Ainda que eu não acredite que criminalizando se
vá reduzir o número de casos, estamos em um estágio perigoso legitima,
sim, a criminalização. É pela educação e por mudanças culturais que isso
se resolve, mas esses bandos têm saído impunes e não dá para a
sociedade ficar sem uma resposta”.
Reforço na luta pela criminalização
Para
a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), situações como as registradas em
Barretos e São João da Boa Vista não tiram a força da discussão sobre a
criminalização.
“Temos uma legislação estadual em São Paulo [a
lei 10.948/2001] que pune homofobia na esfera administrativa --com
multas e outras sanções, por exemplo, a quem discrimina essas minorias
no comércio. Mas não há nada no sentido de criminalizar, por isso
precisa haver lei federal”, pondera a presidente da comissão de
Diversidade Sexual e Combate à Homofobia da OAB-SP, Adriana Galvão. “E o
Congresso tem que refletir sobre isso, pois daqui a pouco não teremos
mais o limite do respeito em nenhum aspecto --senão é muito simples uma
pessoa simplesmente caminhar, conversar e outros acharem que,
homossexual, ela tem que ser agredida”, destacou.
Conforme a
advogada, a comissão foi criada em janeiro deste ano e, de março até
semana passada, recebeu pelo menos 38 denúncias de supostas vítimas de
homofobia. O número é considerado alto pela comissão. “Não há o Estatuto
do Idoso, o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), a Lei Maria da
Penha? Precisamos sim de uma lei que proteja o homossexual, pois está em
grupo que é vitimizado –inúmeras vezes, verbalmente, mas é disso que
deriva uma agressão física”, concluiu.
Estatuto LGBT
A
presidente da comissão da Diversidade Sexual na OAB nacional, a gaúcha
Maria Berenice Dias, disse que até o final do mês que vem a ordem
apresentará um projeto de Estatuto da Diversidade Sexual que trata dos
direitos da população de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e
transexuais (LGBT).
Especialista em direito de famílias formadas a
partir da união homoafetiva, a advogada explicou que o estatuto tratará
não apenas de adoção pro casais do mesmo sexo, como a punição para atos
de discriminação ou preconceito contra homossexuais.
“Fatos como
o desse pai agredido infelizmente acontecem e só evidenciam a
necessidade de uma legislação específica –a falta de lei é que dá a
sensação de impunidade e legitima esse tipo de ação. Afinal, as pessoas
podem ter uma convicção pessoal ou religiosa, mas não podem afrontar o
direito do outro”, definiu.
Fonte: Uol